Em 15 de julho fez um ano o evento de tombamento da Capoeira como Patrimônio Cultural. O Portal FS, veículo on-line de comunicação de Feira de Santana, convidou o cordenador do Malungo Centro de Capoeira Angola para tecer algumas considerações. Segue na íntegra o pequeno ensaio , de autoria do mestre Bel, publicado por este órgão em 09/07/2009.
Capoeira e Patrimônio Cultural: algumas provocações a partir de dentro
Historicamente, as decisões políticas sobre as práticas culturais populares foram tomadas sem grandes consultas a seus agentes sociais, talvez o tombamento da capoeira como cultura imaterial brasileira, ocorrido em julho de 2008, seja uma das poucas experiências de “ampla” participação sobre as atribuições (reconhecimento?) de significados políticos a determinados aspectos da cultura popular.
Entretanto, as decisões (que decidem de fato!) ainda foram tomadas por um grupo muito seleto, explicitando assim o exercício de uma hierarquia de autoridade (política) no universo da capoeira.
Na condição de capoeirista de Feira de Santana - Bahia, portanto agente/objeto do processo de tombamento da capoeira como patrimônio cultural, venho através da presente reflexão fazer uma primeira provocação à sociedade, para que possamos juntos avaliar a política de implementação de ações públicas em favor da capoeira, no seu primeiro aniversário na condição de patrimônio cultural, oficialmente reconhecida pelo Estado brasileiro.
Esta reflexão também se caracteriza como um chamamento para os colegas capoeiras e simpatizantes a não apenas fiscalizar e avaliar, mas também apoiar as ações de fomento que porventura o Estado brasileiro desenvolva em torno da capoeira.
O registro da capoeira como patrimônio cultural foi votado no dia 15 de julho de 2008, em Salvador, capital da Bahia, pelo Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, conselho este constituído por 22 representantes de entidades e da sociedade civil, e que tem o poder de deliberar a respeito dos registros e tombamentos do patrimônio cultural brasileiro. O serimonial pôde ser acompanhado pela grande imprensa brasileira (jornais, televião, rádio, internete, etc).
O registro possibilita o desenvolvimento de medidas governamentais de suporte à comunidade da capoeira, a exemplo de um plano de previdência social para os velhos mestres da capoeiragem; programas de incentivo para o desenvolvimento de políticas pelos próprios grupos de capoeiras com o auxílio do Estado. Além disso, há, do ponto de vista de uma política estrutural para capoeira, a intenção do IPHAN, por conseqüência do tombamento, de criar um Centro Nacional de Referência da Capoeira. Aguardo tudo isto com muito entusiamo!
Entretanto, no contexto de seu reconhecimento, pouco espaço foi reservado na mídia para a exposição ou debate acerca da história da capoeira. Sequer foi possível conhecer, salvo de modo panorâmico, o percurso de luta que seus praticantes vivenciaram para atingir o tão aclamado reconhecimento da arte-luta como patrimônio cultural brasileiro.
A história da capoeira foi marcada por perseguições policiais, prisões, racismo e outras formas de controle social que os agentes dessa prática cultural experimentaram em sua relação com o Estado brasileiro – devemos lembrar que a capoeira era citada como crime no Código Penal Brasileiro de 1890. Caberia, então, entendermos os elementos que caracterizaram e contribuíram para a formação da capoeira como um símbolo diferente da identidade brasileira e a sua justificação como o mais recente bem cultural registrado pelo governo brasileiro como patrimônio nacional.
Essa experiência da capoeira e suas multifacetadas significações históricas e culturais lhe garantiu um lugar entre as manifestações registradas oficialmente como bens culturais brasileiros, ou seja, a capoeira é tombada como patrimônio da cultura imaterial do Brasil.
Tal ato pode ser considerado uma manobra política de grande envergadura para os novos delineamentos sócio-culturais da capoeira no Brasil e não simplesmente um registro oficial daquilo que a capoeira já consolidou pela sua própria experiência, a saber: sua evidência como patrimônio da cultura brasileira.
Todavia, considerando os projetos anteriores de políticas públicas de caráter repressivo e discriminatório do governo voltados para a capoeira (criminalização, folclorização e esportivização), cabe dizer que os capoeiras precisam estar atentos frente às conseqüências políticas do reconhecimento da sua arte-luta como patrimônio da cultura brasileira.
Nesse sentido, cabe a nós capoeiristas e simpatizantes fiscalizar, avaliar e apoiar irestritamente os prováveis programas de fomento da capoeira na perspectiva de seu reconhecimento como Patrimônio Cultural do Barsil. Assim, neste primeiro ano de experiência, desejamo-nos BOA SORTE!!!
À guisa de conclusão devo confessar que estas reflexões estão melhor elaboradas no livro Capoeira, identidade e gênero (Edufba, 2009), que tive a oportunidade de escrever junto com o capoeirista e histotiador Augusto Leal. Sugiro ao leitor a consulta do capítulo 2: “Capoeira e identidade nacional: de crime político a ptrimônio cultural do Brasil”. No mais, agradeço a paciência dos caros leitores!
A capoeira é o vôou do passarinho, bote da cobra coral…
Mestre Pastinha (1889-1981)
Dedico esta reflexão ao Mestre Virgílio de Ilhéus, por seus 65 anos de prática de capoeira.
Fonte: Portal FS - www.fsonline.com.br
Capoeira e Patrimônio Cultural: algumas provocações a partir de dentro
Historicamente, as decisões políticas sobre as práticas culturais populares foram tomadas sem grandes consultas a seus agentes sociais, talvez o tombamento da capoeira como cultura imaterial brasileira, ocorrido em julho de 2008, seja uma das poucas experiências de “ampla” participação sobre as atribuições (reconhecimento?) de significados políticos a determinados aspectos da cultura popular.
Entretanto, as decisões (que decidem de fato!) ainda foram tomadas por um grupo muito seleto, explicitando assim o exercício de uma hierarquia de autoridade (política) no universo da capoeira.
Na condição de capoeirista de Feira de Santana - Bahia, portanto agente/objeto do processo de tombamento da capoeira como patrimônio cultural, venho através da presente reflexão fazer uma primeira provocação à sociedade, para que possamos juntos avaliar a política de implementação de ações públicas em favor da capoeira, no seu primeiro aniversário na condição de patrimônio cultural, oficialmente reconhecida pelo Estado brasileiro.
Esta reflexão também se caracteriza como um chamamento para os colegas capoeiras e simpatizantes a não apenas fiscalizar e avaliar, mas também apoiar as ações de fomento que porventura o Estado brasileiro desenvolva em torno da capoeira.
O registro da capoeira como patrimônio cultural foi votado no dia 15 de julho de 2008, em Salvador, capital da Bahia, pelo Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, conselho este constituído por 22 representantes de entidades e da sociedade civil, e que tem o poder de deliberar a respeito dos registros e tombamentos do patrimônio cultural brasileiro. O serimonial pôde ser acompanhado pela grande imprensa brasileira (jornais, televião, rádio, internete, etc).
O registro possibilita o desenvolvimento de medidas governamentais de suporte à comunidade da capoeira, a exemplo de um plano de previdência social para os velhos mestres da capoeiragem; programas de incentivo para o desenvolvimento de políticas pelos próprios grupos de capoeiras com o auxílio do Estado. Além disso, há, do ponto de vista de uma política estrutural para capoeira, a intenção do IPHAN, por conseqüência do tombamento, de criar um Centro Nacional de Referência da Capoeira. Aguardo tudo isto com muito entusiamo!
Entretanto, no contexto de seu reconhecimento, pouco espaço foi reservado na mídia para a exposição ou debate acerca da história da capoeira. Sequer foi possível conhecer, salvo de modo panorâmico, o percurso de luta que seus praticantes vivenciaram para atingir o tão aclamado reconhecimento da arte-luta como patrimônio cultural brasileiro.
A história da capoeira foi marcada por perseguições policiais, prisões, racismo e outras formas de controle social que os agentes dessa prática cultural experimentaram em sua relação com o Estado brasileiro – devemos lembrar que a capoeira era citada como crime no Código Penal Brasileiro de 1890. Caberia, então, entendermos os elementos que caracterizaram e contribuíram para a formação da capoeira como um símbolo diferente da identidade brasileira e a sua justificação como o mais recente bem cultural registrado pelo governo brasileiro como patrimônio nacional.
Essa experiência da capoeira e suas multifacetadas significações históricas e culturais lhe garantiu um lugar entre as manifestações registradas oficialmente como bens culturais brasileiros, ou seja, a capoeira é tombada como patrimônio da cultura imaterial do Brasil.
Tal ato pode ser considerado uma manobra política de grande envergadura para os novos delineamentos sócio-culturais da capoeira no Brasil e não simplesmente um registro oficial daquilo que a capoeira já consolidou pela sua própria experiência, a saber: sua evidência como patrimônio da cultura brasileira.
Todavia, considerando os projetos anteriores de políticas públicas de caráter repressivo e discriminatório do governo voltados para a capoeira (criminalização, folclorização e esportivização), cabe dizer que os capoeiras precisam estar atentos frente às conseqüências políticas do reconhecimento da sua arte-luta como patrimônio da cultura brasileira.
Nesse sentido, cabe a nós capoeiristas e simpatizantes fiscalizar, avaliar e apoiar irestritamente os prováveis programas de fomento da capoeira na perspectiva de seu reconhecimento como Patrimônio Cultural do Barsil. Assim, neste primeiro ano de experiência, desejamo-nos BOA SORTE!!!
À guisa de conclusão devo confessar que estas reflexões estão melhor elaboradas no livro Capoeira, identidade e gênero (Edufba, 2009), que tive a oportunidade de escrever junto com o capoeirista e histotiador Augusto Leal. Sugiro ao leitor a consulta do capítulo 2: “Capoeira e identidade nacional: de crime político a ptrimônio cultural do Brasil”. No mais, agradeço a paciência dos caros leitores!
A capoeira é o vôou do passarinho, bote da cobra coral…
Mestre Pastinha (1889-1981)
Dedico esta reflexão ao Mestre Virgílio de Ilhéus, por seus 65 anos de prática de capoeira.
Fonte: Portal FS - www.fsonline.com.br
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