Pular para o conteúdo principal

"Dia do Professor": uma homenagem ao mestre João Pequeno de Pastinha

O dia 15 de outubro é lembrado todos os anos como o "Dia do Professor". Por mais que entendamos que o "Dia do Professor" é todo dia, pois o seu ofício de formador se aplica no cotidiano, dedicaremos este dia a uma das mais emblemáticas figuras da nossa aprendizagem como agentes culturais: o mestre capoeira! Assim, a homenagem de hoje fica para o saudoso mestre João Pequeno de Pastinha.

***



João Pereira dos Santos, o Mestre João Pequeno nasce em 27 de dezembro de 1917, no município de Araci, interior baiano. Logo se muda junto com seus pais para o município de Mata de São João, onde seu pai trabalhava como vaqueiro numa fazenda. João vive boa parte de sua juventude nesse município, e tem o primeiro contato com a capoeira através de Juvêncio, um vaqueiro amigo de seu pai, que havia aprendido capoeira com o lendário Besouro Mangangá, da cidade de Santo Amaro da Purificação, no Recôncavo Baiano.
Em Mata de S.João, João Pequeno foi agricultor e carvoeiro, residindo e trabalhando nessa cidade até por volta de seus trinta anos de idade.
João muda-se para Salvador, no início da década de 1940, e começa a trabalhar como servente de pedreiro. No ano de 1945, numa roda de capoeira na Praça Dois de Julho, conhece mestre Pastinha - considerado o mais importante mestre de capoeira angola de todos os tempos - que o convida para visitar o espaço onde dava aulas. João Pequeno foi e ficou. Logo recebeu de Pastinha a incumbência de ensinar os alunos novos que iam chegando em sua escola: João Grande, Curió, Moraes, Gildo Alfinete e tantos outros mestres de capoeira angola hoje reconhecidos internacionalmente, passaram pelas suas mãos.
João Pequeno ficou conhecido como o mais importante aluno do mestre Pastinha, e considerado o herdeiro maior dessa tradição que mestre Pastinha aprendeu com o africano Benedito.
Durante o período de agonia e morte do mestre Pastinha, no início da década de oitenta, João Pequeno passa um período afastado da capoeira trabalhando como feirante na Feira de São Joaquim em companhia de sua esposa “Mãezinha”. A capoeira angola passa então por um período de decadência e enfraquecimento, restando apenas alguns poucos resquícios de sua prática em alguns poucos “guetos” de Salvador e no Recôncavo Baiano.
Porém a capoeira angola retoma, sobretudo a partir das duas últimas décadas do século XX, um fôlego e um vigor admiráveis, justamente em função de um processo muito bem articulado por importantes lideranças baianas, no sentido de valorização da consciência negra e da africanidade. Segundo o pesquisador Jair Moura (2003), esse processo iniciou-se na década de oitenta daquele século, e teve um caráter político importante, envolvendo militantes do movimento negro e intelectuais baianos, mas também nele, tiveram um papel fundamental o mestre João Pequeno, quando funda em 1981, o Centro Esportivo de Capoeira Angola Mestre João Pequeno de Pastinha no Forte Santo Antonio além Carmo, e também alguns outros mestres tradicionais da então agonizante capoeira angola, como o mestre João Grande, mestre Curió e mestre Moraes.
A prática da capoeira angola vem crescendo em grande medida, não só em todo o Brasil, como em vários países da Europa e Ásia, sem falar nos EUA, onde reside atualmente, por exemplo o mestre João Grande, que no ano de 1995 foi agraciado com o título de doutor honoris causa pela Universidade de UPSALA, em New Jersey. Nos EUA, em Washington, está também sediada a FICA (Fundação Internacional de Capoeira Angola) presidida pelo mestre brasileiro Cobra Mansa. Grupos brasileiros de capoeira angola mantêm sub-sedes em vários países do mundo como México, Israel, França, Inglaterra, Alemanha, Japão, entre tantos outros. Mestres de capoeira angola do Brasil viajam constantemente para o exterior a fim de ministrar cursos e oficinas, para os quais tem existido um interesse cada vez maior, por parte do público desses países.
A academia do Mestre João Pequeno é uma das mais tradicionais da Bahia, e nela ainda hoje acontecem aulas de capoeira dadas por seus alunos sob sua direção, e uma das rodas de capoeira mais concorridas de Salvador, onde podem ser encontrados visitantes e capoeiristas de todas as partes do mundo, que vem “beber na fonte” a tradição que hoje se espalha por todo o planeta.
O mestre João Pequeno viaja pelo mundo afora, visitando países como a França, Inglaterra, Alemanha, Suécia, Japão, Israel, Estados Unidos, Itália, Espanha, Chile entre outros, levando sua capoeira angola, sua simplicidade e sua sabedoria, encantando a todos que tem o privilégio de compartilhar esses momentos tão ricos ao lado desse fabuloso personagem de nossa cultura popular.
Ele presta depoimento ou é citado em um número muito grande de livros, monografias, dissertações de mestrado, teses de doutorado, etc... cujos autores/pesquisadores a ele recorrem, como fonte privilegiada de informações, por ser João Pequeno parte da memória viva da capoeira na Bahia, no Brasil e no mundo.
João Pequeno foi agraciado em 1998, com o título de Cidadão da Cidade de Salvador, que recebeu da Câmara de Vereadores numa grande homenagem.
Em 2003, o analfabeto João Pequeno recebe o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal de Uberlândia, e a Comenda Zumbi dos Palmares, do Governo do Estado de Alagoas. No mesmo ano, João Pequeno recebe das mãos do presidente Luis Inácio da Silva, o título de Comendador da República do Brasil.
João Pequeno de Pastinha é hoje o maior símbolo vivo da capoeira, que aos 93 anos de idade, insiste em continuar jogando e ensinando pelo mundo afora, a sua capoeira angola que aprendeu com o mestre Pastinha.


*(Texto extraído do Memorial do mestre João Pequeno, cedido gentilmente por Pedro Abib, aluno do velho mestre)

Comentários

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  2. Mais que merecido. Seria perfeito se o poder público garantisse um salário vitalício que contemplasse todas as necessidades do Mestre.

    João Walter Júnior

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

"História vista de baixo" - o Contramestre Bel é o mais novo colunista do Portal FS

Samba, Cabaré e Polícia na Feira de outrora Denominada princesa do sertão baiano, Feira de Santana já gozava, nas décadas de 1930 e 1940, de importante prestígio, já tendo sido, inclusive, objeto das mágicas lentes de Pierre Verger, artista francês radicado na Bahia. Sua história tem sido ao longo dos anos associada a uma cidade que tem origem em um importante comércio de gado e sua principal identidade social constituída em torno da “cidade comercial”. Entretanto, pode-se explorar outros importantes aspectos da história de Feira de Santana, a exemplo das experiências culturais negro-africanas ali constituídas, este é o caso dos sambas que tinham como cenário as contagiosas noites dos cabarés feirenses. Este breve ensaio de reflexão, que ora apresento aos leitores, inaugura a mais nova coluna do PORTAL FS, intitulada “História vista de baixo”, justamente por se tratar das histórias daqueles indivíduos, grupos e culturas que não conheceram a pena que pintou os compêndios sobre a Bahia

Vicente Sales, autor de "O negro no Pará", recebe título de Doutor Honoris Causa

O Malungo Centro de Capoeira Angola, parabeniza o professor Vicente Sale pelo reconhecimento oficial de sua obra, a qual inclui importantes estudos sobre a cultura afro-amazônica. O professor Vicente Sales é um dos responsáveis pela introdução dos estudos da capoeira no Para tendo influenciado o treineu Algusto Leal em seus trabalho de pesquisa especialmente o que deu oriegem ao livro "A política da capoeiragem" (Edufba, 2008), bibliografia de consulta obrigatória para as atuais pesquisa sobre o tema no Brasil. Salve então ao mestre Vicente Sales. Segue a nota extraída do site da UFPA: Um dos intelectuais mais notáveis do Estado, Vicente Juarimbu Salles, recebeu da Universidade Federal do Pará (UFPA) a outorga do título Doutor Honoris Causa, o mais alto dos graus universitários, normalmente concedido a personalidades que tenham se distinguido pelo saber ou pela atuação em prol das Artes, das Ciências, da Filosofia, das Letras ou do melhor entendimento entre os povos. A conces

FEIRA DE SANTANA: A CAPOEIRA NA “PRINCESA DO SERTÃO”

Texto extraído do livro: “A capoeira na Bahia: História e Cultura Afro-Brasileira” (Instituto Maria Quitéria – no prelo). Autoria do Contramestre Bel, mais um fruto dos projetos do Malungo. A origem da Cidade de Feira de Santana remete ao período colonial. Surgiu de um povoado humilde, onde as casas eram cobertas com palhas, piso de terra batida e paredes de barro amassado, conhecido no sertão nordestino como taipa. As casas e ruas eram iluminadas com lamparinas e lampiões a querosene. Localizada a aproximadamente 110km de distância da Cidade do Salvador, no sentido norte da Bahia, e gozando de certo prestígio no tocante à autonomia política e econômica da Capital, Feira de Santana se tornou ao longo do tempo a maior cidade do interior baiano, com uma população de quase 600 mil habitantes e um dos maiores centros de capoeira do Nordeste. Por razões como estas, em 1919 o senhor Ruy Barbosa, ilustre político baiano, a batizou como “Princesa do Sertão”. A história da Capoeira e